Apesar do meu (ainda) curto percurso tanto na academia como também enquanto investidor, é fácil notar que vivemos um capítulo da história económica ímpar, cujas peculiaridades seriam inimagináveis em outros tempos. O sistema financeiro como um todo evoluiu bastante desde a última grande crise que assolou por completo o mercado e os investidores no final da década passada. Desde então, mecanismos, entidades e normas foram criadas e/ou evoluíram tendo em vista a prevenção de uma eventual situação semelhante.
Parte importante neste processo foi tomada pelos Bancos Centrais das respetivas regiões do globo, com as suas políticas monetárias que visam não só a estabilidade do sistema financeiro, mas também fomentar o desenvolvimento económico. Certamente, a intervenção destas entidades trouxe benefícios para os players do mercado, agregando uma segurança maior no sentido de incorporar e absorver potenciais riscos inerentes ao sistema financeiro. De um ponto de vista pessoal, reconheço a importância destas ações, mas observo com muito ceticismo as medidas tomadas pelos seus representantes.
Não sendo este o tema central deste artigo, começo por salientar algumas das decisões de dois dos Bancos Centrais mais importantes do mundo: a FED e o BCE. Em Março de 2015, como meio de prevenir um ambiente deflacionário, o Banco Central Europeu iniciou o seu programa de Quantitative Easing tendo gasto 2,6 triliões de euros durante um período de quatro anos, atingindo o ápice de compras em 2016 quanto empilhava 80 mil milhões de euros por mês em títulos de dívida. De igual modo, e em resposta à grave crise financeira, a Federal Reserve começou o seu programa expansionista em 2008 e num período de sete anos o seu balanço passou de 900 mil milhões de dólares para 4,5 triliões de dólares. Olhando para os restantes peers da FED e do BCE, de grosso modo, apresentam políticas expansionistas, ou pelos menos não adotam medidas mais hawkish.
Figura 1 – Fed Funds Rate vs S&P 500 Index
Recentemente, na última reunião do FOMC (Federal Open Market Committee), Powell e os restantes membros decidiram “cortar” a taxa de juro diretiva em 25 pontos base. Apesar de haver poucos argumentos do ponto de vista económico que sustentassem esta decisão (desemprego em níveis historicamente baixos, crescimento do PIB, mercados em máximos históricos, etc.), podemos tentar justificá-la com a incerteza da Guerra Comercial EUA vs China ou até mesmo enxergá-la como uma tentativa da FED estar à frente da Yield Curve (com a curva em processo de inversão – o spread entre a Yield de 10 anos e a de 2 anos já é negativo – a FED tenta forçar a queda das taxas de curto prazo para que voltem a ser inferiores do que as de longo prazo), não esquecendo obviamente da pressão política por parte de Trump.
Se por um lado temos um mercado de títulos de dívida inflacionado devido à constante pressão sobre as taxas de juro mundo afora, estes estímulos por parte dos Bancos Centrais logicamente contribuem para o maior Bull Market da história no mercado acionista americano, onde nos encontramos ainda muito cerca dos máximos históricos atingidos já em 2019. Afinal quais são os efeitos reais para a economia mundial e para nós, investidores, e para os nossos portfolios destas e outras ações?
Mais de uma década após a crise financeira, um quarto do mercado de dívida soberana a nível mundial, o equivalente a 15 triliões de dólares, é negociado com Yields inferiores a 0%, tendo este dado triplicado desde Outubro do ano passado, de acordo com o Deutsche Bank. De acordo com a Bloomberg, existe um total de 14 títulos de dívida classificados como “Junk Bonds” que são atualmente negociados com Yield negativa, ou seja, entidades com elevado risco de default que não pagam juros para se financiarem. Para além disto, mais de 70% da Yield Curve dos EUA está invertida, sendo que Alemanha, Holanda e Suíça apresentam mesmo uma curva totalmente abaixo de 0% (taxa de juro negativa para todas as maturidades) – significando isto que estes governos recebem para emitir dívida qualquer que seja maturidade desejada, no caso da Suíça isto significa financiar-se por 50 anos (!) com taxa de juro a baixo de 0%. No caso de Portugal em particular, as Yields das Obrigações do Tesouro a 10 anos estão à beira dos 0% quando em 2012, eram negociadas com Yield acima dos 17%. Países como Grécia, Itália ou Portugal conseguem financiar-se a uma taxa inferior nada mais nada menos do que os Estados Unidos. Algo surreal dado o risco inerente a cada um destes países.
Num mundo onde os preços dos ativos encontram-se artificialmente inflados devido a políticas monetárias expansionistas, onde podemos, nós investidores, encontrar valor? Esta é uma pergunta complexa cuja resposta aparentemente é simples: ações, ações e mais ações. Porquê nos preocuparmos se as ações parecem subir ad eternum? De um ponto de vista conservador de gestão de portfolios de investimento, o mercado acionista, neste momento em especial, oferece pouca atratividade devido a avaliações e múltiplos elevados. Estar de fora do mercado acionista nos piores dias ou pelo menos reduzir a exposição quando o downside risk é maior do que o potential upside é tão saudável para o crescimento da nossa carteira quanto aproveitar os melhores dias. O que não significa que devemos desinvestir totalmente, ainda que seja aconselhável aumentar o nível de liquidez da carteira.
Por outro lado, tais políticas tornam outras classes de ativos mais atrativas. Deste modo, podemos (e devemos!) voltar a nossa atenção para outros ativos que devem fazer parte de uma carteira de longo prazo como é o caso do Ouro ou da Prata, dois ativos que temos vindo a analisar e a negociar desde o início do ano. Na nossa conferência em fevereiro, tive a oportunidade de compartilhar a minha análise, em especial em relação ao Ouro que tinha começado o ano de forma espetacular devido ao crash nos mercados acionistas e no petróleo. Fundamentei o meu outlook positivo para este ativo e mencionei que o meu target para 2019 seria em torno dos $ 1 350 e os $ 1 370, onde delimitamos uma grande resistência de longo-prazo. Apesar disto, o metal precioso não só atingiu o nosso objetivo como superou com grande margem a barreira dos $ 1 500 (apreciou cerca de 15% desde a data da conferência, atingindo máximos dos últimos 6 anos), negociando à data em torno dos $ 1 515. Complementando a análise, notei que ao “quebrar” convincentemente esta resistência de longo prazo, poderíamos estar perante uma mudança naquele que tem sido o paradigma do ouro ao longo dos últimos anos.
Figura 2 – Ouro vs Majors
Comparando a performance do Ouro não apenas face ao dólar mas também face a outras divisas, é notória a evolução do metal ao longo do último ano, registando máximos face a várias moedas, com retorno superior a 20%. Este tipo de comportamento face às principais divisas reforça a nossa análise positiva para o metal precioso, apesar de que seja esperado uma correção de curto-prazo até que o nível atual de sobre compra possa diminuir, dando novas oportunidades de entrada.
A já referida Guerra Comercial, uma possível inversão de tendência nos mercados acionistas, dados económicos em deterioração devido a um estágio avançado do ciclo económico bem como a tendência de queda das Yields são alguns dos principais fatores que suportam uma boa perspetiva para o Ouro, a Prata e ações relacionadas para o que resta de 2019 e também para o próximo ano.
O gráfico abaixo compara e evidencia a correlação (inversa) do preço do Ouro face às Yields, demonstrando claramente que taxas de juro cada vez mais inferiores tendem a ser um fator bastante positivo para esta commodity.
Figura 3 – Correlação Ouro/Yields
Deste modo, uma carteira de longo prazo deve apresentar-se diversificada para que possa ser resiliente a eventuais adversidades. O Ouro e a Prata, pelas suas características inerentes apresentam-se não só como um investimento alternativo interessante, mas também como uma proveniência rara de valor, dada a corrente situação de sobrevalorização em vários dos principais ativos financeiros, agindo como um ótimo hedge para os nossos investimentos de longo-prazo em especial no mercado acionista.
Com o retorno da volatilidade aos mercados acionistas, dada as incertezas políticas, as dúvidas em relação ao fôlego deste Bull Market, com o Yields cada vez mais baixas e, consequentemente, títulos de dívida mais precificados, alocar parte dos nossos investimentos ao Ouro permite-nos diversificar os nossos investimentos. Dado o atual nível de risco do mercado, convém rever o nosso plano de investimento e ajustá-lo em conformidade. Caso não tenha um plano, convém que delineie um. A falta de planeamento em situações de pânico mais certamente irá conduzir o investidor a decisões erradas com implicações graves para os nossos investimentos.
Investir e contruir uma carteira de longo-prazo significa estar preparado para qualquer situação, tomando decisões antecipadas baseadas em probabilidades em vez de decisões forçadas pelas circunstâncias, afinal “it wasn´t raining when Noah built the ark”.
“Markets are constantly in a state of uncertainty and flux and money is made by discounting the obvious and betting on the unexpected.” – George Soros
Émerson Filho
MSc in Finance Student
Autor: IncomeMarkets
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